quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

SÃO PAULO


Sempre que chego a São Paulo, me pego a pensar porque todos ali sempre andam apressados, talvez sempre atrasados, ou afoitos, como se por iminência de algo. Nessa cidade polifônica, de vozes diversas, olhares dispersos, do desencontro em idas e vindas, por trás de cada rosto, há uma história, em cada passo apertado, um anseio, e em cada coração uma verdade.

João estava exausto após o longo dia que enfrentara. Estava faminto, entorpecido de fadiga e algumas doses, que excedera, em um bar a caminho de casa. Sentia-se cansado, mas não havia ânimo ao voltar para casa todas as noites. Quase sempre sua mulher encontrava-se prostada no sofá, fedendo a tempero, a beber algo e a gritar com a televisão e com ele, sem que ambos lhe respondessem. Era uma mulher de falar alto, de resmungos, transbordava em frustação. João poderia até ter se esquecido de seu filho mais velho, que quase não via mais em casa e de seus outros filhos que sempre estavam imersos em qualquer outra realidade, além daquelas paredes. João sabia que a mulher questionaria o motivo de seu atraso. Por certo, ele a daria as costas como resposta, atravessaria a rua e se excederia novamente, em novas doses. Por isso, tinha pressa de voltar para casa, para aquilo o que ele já esperava.

José chegou na cidade cheio de sonhos, violão nas costas. Todos diziam que aquela era a cidade das oportunidades. Para ele não acontecera dessa forma. Havia conseguido um emprego qualquer e de vez em quando tocava em algum bar s moscas, e bebia ali mesmo o que ganhara. Insistira nisso por 3 anos, até que recebeu a noticia que o pai havia falecido. Sua mãe, já de certa idade, reclamava a ausência do filho sempre que se falavam. Um dia, José decidiu que seu tempo na cidade das possibilidades havia acabado, e tomaria o primeiro ônibus, pela manhã. Por isso, tinha pressa. Cada passo apertado que dava, era um passo de volta ao passado que ele tão bem conhecia.

Maria, filho pequeno colado no braço. Com 18 anos já era mãe solteira. Abandonou a escola quando descobriu a gravidez, culpando o filho, o que ela sabia que era um pretexto de quem já havia desistido do próprio futuro. Dias atrás ficara sabendo de uma oportunidade de emprego, do outro lado da cidade. Acordou mais cedo, vestiu sua melhor roupa, penteou os cabelos e muniu-se de esperança para a entrevista. Saiu de lá com a promessa de que ligariam. Ela esperava por isso, pois os últimos meses haviam sido difíceis, ainda mais com a ausência do pai de seu filho. Por vezes, recorria a sua mãe, que mal podia cuidar de seus irmãos pequenos. O menino em seus braços começava a reclamar de fome, e ela checou mais uma vez o celular. Ela deveria estar em casa quando eles ligassem. Se eles ligassem. Ela apertou o passo, quando o menino começou a chorar alto, ansiosa por uma resposta que, dentro de si, ela já sabia.

Ana, perdida em seus 25 anos de constante insatisfação. Havia desistido da faculdade, dizendo que se entediava fácil. Dos últimos dois empregos, pedira demissão, e para quem perguntava ela repetia que aqueles trabalhos não eram para ela. Almejava algo grande, que ela mesma não sabia ao certo o que era, e renegava a ideia de ser um rosto desconhecido na cidade grande, despercebida, comum. Não iria completar o circulo de frustação de seus pais, sempre se vitimizando pelo o que nunca foi, pelo o que nunca veio, pelo o que nunca aconteceu. Com ela, isso não poderia acontecer. Praguejou quando um homem, desajeitado, trombou com ela na rua. Consultou o relógio e apertou o passo. Sabia que ainda haveria muito o que viver, e receava que o momento certo se esvaísse por entre os seus dedos, sem que ela percebesse. Por isso tinha pressa, pois não saberia o que fazer da vida, quando enfim, o futuro batesse à sua porta.

E dentre tantas feições e inquietudes, eu, sempre que chego a São Paulo, me apresso, aperto o passo, levada inconscientemente, pelo ritmo acelerado da horda que me cerca, que me envolve e me sufoca. Nunca estou atrasada, nunca tardo em nenhum compromisso. Mas pela esquerda, eu corro, como se não houvesse tempo a perder na cidade que nunca dorme, que nunca pára. E a pressa, essa sim, é o meu desperdício de tempo.


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