Sempre que chego a São Paulo, me
pego a pensar porque todos ali sempre andam apressados, talvez sempre atrasados,
ou afoitos, como se por iminência de algo. Nessa cidade polifônica, de vozes
diversas, olhares dispersos, do desencontro em idas e vindas, por trás de cada
rosto, há uma história, em cada passo apertado, um anseio, e em cada coração
uma verdade.
João estava exausto após o longo
dia que enfrentara. Estava faminto, entorpecido de fadiga e algumas doses, que
excedera, em um bar a caminho de casa. Sentia-se cansado, mas não havia ânimo ao
voltar para casa todas as noites. Quase sempre sua mulher encontrava-se prostada
no sofá, fedendo a tempero, a beber algo e a gritar com a televisão e com ele,
sem que ambos lhe respondessem. Era uma mulher de falar alto, de resmungos, transbordava
em frustação. João poderia até ter se esquecido de seu filho mais velho, que
quase não via mais em casa e de seus outros filhos que sempre estavam imersos
em qualquer outra realidade, além daquelas paredes. João sabia que a mulher
questionaria o motivo de seu atraso. Por certo, ele a daria as costas como
resposta, atravessaria a rua e se excederia novamente, em novas doses. Por
isso, tinha pressa de voltar para casa, para aquilo o que ele já esperava.
José chegou na cidade cheio de
sonhos, violão nas costas. Todos diziam que aquela era a cidade das
oportunidades. Para ele não acontecera dessa forma. Havia conseguido um emprego
qualquer e de vez em quando tocava em algum bar s moscas, e bebia ali mesmo o
que ganhara. Insistira nisso por 3 anos, até que recebeu a noticia que o pai
havia falecido. Sua mãe, já de certa idade, reclamava a ausência do filho
sempre que se falavam. Um dia, José decidiu que seu tempo na cidade das
possibilidades havia acabado, e tomaria o primeiro ônibus, pela manhã. Por
isso, tinha pressa. Cada passo apertado que dava, era um passo de volta ao
passado que ele tão bem conhecia.
Maria, filho pequeno colado no
braço. Com 18 anos já era mãe solteira. Abandonou a escola quando descobriu a
gravidez, culpando o filho, o que ela sabia que era um pretexto de quem já
havia desistido do próprio futuro. Dias atrás ficara sabendo de uma
oportunidade de emprego, do outro lado da cidade. Acordou mais cedo, vestiu sua
melhor roupa, penteou os cabelos e muniu-se de esperança para a entrevista.
Saiu de lá com a promessa de que ligariam. Ela esperava por isso, pois os
últimos meses haviam sido difíceis, ainda mais com a ausência do pai de seu
filho. Por vezes, recorria a sua mãe, que mal podia cuidar de seus irmãos
pequenos. O menino em seus braços começava a reclamar de fome, e ela checou
mais uma vez o celular. Ela deveria estar em casa quando eles ligassem. Se eles
ligassem. Ela apertou o passo, quando o menino começou a chorar alto, ansiosa
por uma resposta que, dentro de si, ela já sabia.
Ana, perdida em seus 25 anos de
constante insatisfação. Havia desistido da faculdade, dizendo que se entediava
fácil. Dos últimos dois empregos, pedira
demissão, e para quem perguntava ela repetia que aqueles trabalhos não eram
para ela. Almejava algo grande, que ela mesma não sabia ao certo o que era, e
renegava a ideia de ser um rosto desconhecido na cidade grande, despercebida,
comum. Não iria completar o circulo de frustação de seus pais, sempre se
vitimizando pelo o que nunca foi, pelo o que nunca veio, pelo o que nunca
aconteceu. Com ela, isso não poderia acontecer. Praguejou quando um homem,
desajeitado, trombou com ela na rua. Consultou o relógio e apertou o passo. Sabia que ainda haveria muito o que viver, e receava que o momento certo se esvaísse por entre os seus dedos, sem que ela percebesse. Por isso tinha pressa, pois não saberia o que fazer da vida, quando enfim, o futuro batesse à sua porta.
E dentre tantas feições e inquietudes,
eu, sempre que chego a São Paulo, me apresso, aperto o passo, levada
inconscientemente, pelo ritmo acelerado da horda que me cerca, que me envolve e
me sufoca. Nunca estou atrasada, nunca tardo em nenhum compromisso. Mas pela
esquerda, eu corro, como se não houvesse tempo a perder na cidade que nunca dorme,
que nunca pára. E a pressa, essa sim, é o meu desperdício de tempo.
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